sábado, 31 de janeiro de 2009

Custo

       Era comum acordar sem que o despertador precisasse se manifestar. Às vezes várias horas o separavam do dia, às vezes eram apenas alguns minutos; mas o fato era que seus sonos nunca mais foram, como é de costume dizer, "profundos". Essa indesejável rotina perdurou por praticamente dois anos... O estranho era que ele não a percebia, e todas as manhãs eram como reflexos de insônias em si singulares. Insônias que, estranhamente, também passavam despercebidas juntas com os jornais que se amontoavam na soleira da porta. Era porque o mundo tinha parado de girar; a única coisa que ainda girava eram seus pensamentos - e como giravam!
       Fazia do tempo que antecedia a sirene do dia o seu confidente; tudo aquilo que se seguisse era esquecimento. De fato, era uma espécie aminésia involuntária como a depressão que se abatia sobre seus órgãos indefesos. Os olhos estavam inchados e os dedos fracos, mas quem mais sofria era o coração, esmagado por uma pressão que julgava ser mais profunda do que aquela existente nos fundos dos oceanos esquecidos. Abraçava seu travesseiro como se fosse a única coisa realmente tangível naquele mundo. E podia permanecer assim por horas a fio sem que a força que lhe aplicava cedesse ou o fatigasse. Agarrava-o como um alpinista agarra a rocha que o prende à vida. Não sentia seus braços, apenas o aperto que fazia seu pulso correr com dificuldade e sua respiração arfar.
        Era paixão que o condenava. Não a paixão em si, mas o que o destino reservou a ela: uma morte jovem. Triste como a morte que se abate ao passarinho que está aprendendo a voar. Pesada. Sempre foi uma pessoa romântica, por isso tinha os ombros mais vergados do que aqueles que deveria ter. Por isso também o copo de whisky era mais fundo, a TV mais entediante e o tempo mais incompreensível. Tão incompreensível que um dia resolveu pôr um fim àquilo que parecia ser interminável.
        Agora o calendário fazia sentido e era possível contar os tais dois anos que se abateram. A pressão tinha sumido.
        Tinha sumido.
               Tinha sumido...

        Sua alma também sumiu. Nunca mais tivera insônia, pressão, olhos inchados, respiração ofegante, nada. Mas também nunca mais a felicidade voltou a seu peito. Olhava para as pedras e para as flores como se fossem irmãs. O mendigo naõ lhe causava mais piedade, o bebê ternura e o sol calor. Seu peito agora era vácuo; sem pressão, sem calor, sem coração.

        A custo ele acabará de descobrir que aquilo que antes condenara era sim uma dádiva: era sentimento!

        Tudo é passageiro. Como diria Mário Quintana:

        "(...)Eles passarão.
        Eu passarinho!"

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